quinta-feira, 10 de setembro de 2009

CASSANDRA'S DREAM

O filme mostra dois irmãos ingleses às voltas com problemas financeiros. Ian (Ewan McGregor) dirige o restaurante do pai, mas busca um futuro melhor inventando planos de montar uma rede de hotéis na Califórnia. Puro delírio! O seu irmão Terry (Colin Farrel) é mecânico, bebe muito e aposta no pôquer e na corrida de cães. Vive endividado. Ambos procuram uma saída para a pobreza. E logo no início do filme compram um pequeno barco, chamado “O Sonho de Cassandra”, uma metáfora do desastre.

Nas horas vagas, Ian toma emprestado os carros de luxo para conserto na oficina de Terry e sai para impressionar as mulheres. Mas a oportunidade de grana surge quando o tio deles Howard, um rico médico residente na América, propõe-lhes muito dinheiro em troca da morte de um rival disposto a prejudicá-lo. Os irmãos hesitam, mas, ao fim, aceitam cometer o homicídio.

Não é por acaso que Cassandra é o nome do barco dos irmãos. À parte a origem mitológica, ser Cassandra nos tempos modernos é ser considerado modelo referente à tragédia, o arquétipo de uma personagem profética aterrorizada por uma obscura insanidade. O recheio do filme – a discussão ética que levará ao homicídio – não é mais do que um cânone clássico de uma tragédia grega, reproduzido por Allen com o intuito de revelar os aspectos mais negros da natureza humana. A interpretação de Colin Farrell não é mais do que a representação amoral de uma consciência pesada. Os pontos fortes do filme estão escondidos no processo de decisão do homicídio, no trauma psicológico e na escolha de uma saída de fuga à culpa.

Ora, o destino é definido por Kant, em A Paz Perpétua, como a resultante necessária de uma causa cujas leis operativas nos são desconhecidas. Esta é a primeira armadilha para os dois irmãos. A segunda delas é irônica: Cassandra era uma figura mitológica grega, filha de Príamo e de Hecabe. Apolo a amava, mas foi por ela rejeitado. Despeitado, o deus tornou inútil o dom profético que lhe concedera, tirando toda a credibilidade de seus vaticínios. Cassandra passou a fazer apenas previsões funestas, como a da derrota de Tróia e sempre para ouvidos surdos (como os de Terry e de Ian) Eis a grande ironia do filmes: ouvir a advertência da razão e ignorá-la. E se o sonho de dinheiro foi inspirado por Cassandra, então um final trágico já seria previsível. Tudo começou no barco e tudo terminará no barco!

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